domingo, 27 de julho de 2008

GAMBIARRA

Tem momentos que dá uma saudade danada dos tempos menos tecnológicos. Estou tão assustado com a rapidez das novidades que às vezes pareço um resistente, mas não é o caso. É a mais pura observação acompanhada de um sentimento de inutilidade e impotência profissional. Já não estou mais com muita disposição para estudar circuitos integrados, chips e outros apetrechos que tornaram multifuncionais, miniaturizados e absolutamente descartáveis os aparelhos e mecanismos que antes dávamos um jeitinho diante de um defeito e a coisa funcionava por muito tempo ainda. No carro, já emendei cabo de acelerador com linha de anzol, troquei cabo de vela por um ramo delgado e verde do mato, sem precisar chamar socorro ou seguradora para rebocar. Andar hoje com uma caixa de ferramentas no carro é carregar peso morto. Não resolve nada, a não ser trocar um pneu.

Se na lei da física a toda ação corresponde uma reação, na lei da sobrevivência, a toda falta de recurso material corresponde uma criatividade para obtenção de solução: e assim nasceu a gambiarra. Numa das repúblicas em que morei, tínhamos um aparelho de som com rádio am, fm e toca discos. O dial do rádio era movido a roldanas e cordas que iam e vinham levando o ponteiro nas estações que a gente queria escutar. Deu-se uma arrebentada na corda e a falta de recursos para o conserto, tudo junto com a urgência do reparo. Era o único eletrodoméstico para alegrar, dançar e informar na casa, junto com uma televisão em preto e branco doada por meu pai depois que ele adquiriu uma a cores. Meu irmão não se apertou. Fez um buraco sobre a roldana e emendou ali uma tampa de garrafa plástica e passamos a sintonizar direto dali. Não dava para ver aonde ia o ponteiro, mas era só aguardar o momento em que o locutor dizia o nome da emissora e pronto. O aparelho nos serviu ainda por um bom tempo.

Dia desses estava comprando uma máquina e lavar e me espantei com a diferença gritante de preços entre uma marca e outra. Ocorre que as duas marcas estão entre as consideradas de qualidade, os modelos eram semelhantes e a capacidade, a mesma. A vendedora me acudiu da indignação:

- É por que uma tem o painel com os botões de comando para cada função, que podem ser trocados (olha a gambiarra!); a outra tem um circuito integrado. Se der defeito em uma função, tem que trocar a placa inteira. Caríssima.

- Ah! bom!

quarta-feira, 23 de julho de 2008

O SPA É O COLCHÃO

Dormir faz emagrecer.

Para emagrecer, dormir um pouco mais parece ser o melhor conselho, de acordo com vários estudos que associam falta de sono à obesidade. “Dormir mais pode ser um bom conselho para estabilizar o peso ou emagrecer e assim, lutar contra o sobrepeso ou a obesidade...

(fonte: jornal hoje em dia, 05/04/08, pg. 12)

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Fico pensando qual seria o produto que queria vender quem patrocinou um estudo desses. De comer não pode ser nada. Nem água, que tem lá suas caloriazinhas. Remédio para sono também é improvável. A maioria deles contém glicose. Só se for fabricante de colchão. Daqueles que descansam a boca da mastigação e engolimento Aí, a pessoa começa a ter sonhos esfomeantes, às vezes delírios e pesadelos, onde é tragada para rechear enormes tortas de chocolate, ou cedendo seu pernil para um assado num espeto primitivo com uma chama embaixo. Fica se remexendo o tempo todo na cama, sua frio, vira de um lado a outro do travesseiro, de bruços e barriga para cima, acorda assustado e reza aquela prece do pastor que promete fazer emegrecer cinco quilos num só amém. Assim volta a dormir e tudo recomeça. Ou pode ser também de algum pesquisador pão duro que quer disseminar sua mania de economia. Quanto mais se dorme na sua teoria, menos tempo se terá para gastar com comida. Assim emagrece de fome. Mesmo que o gasto venha dobrado depois com remédios para inanição ou anorexia.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

MOBRAL

Até pouco tempo era comum, numa atitude para desmerecer alguém por dificuldade de entendimento de palavras, expressões ou compreensão de algum fato, chamar as pessoas de Mobral. O Brasil, numa época em que estava à espera de um milagre econômico criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização para fazer as pessoas funcionarem melhor. O país estava de vento em popa na economia sob um governo militar. As coisas iam funcionando bem mas as pessoas não. A taxa de analfabetismo era de quase metade da população. O Mobral destinava-se a fazer com que todos pudessem ler e escrever, fazer contas e assinar o nome. Principalmente assinar o nome e fazer contas de mais, menos, dividir e multiplicar, como acabou acontecendo. Gente que não tivera a oportunidade de freqüentar a escola no tempo certo tinha a chance de freqüentar grátis, as aulas que eram ministradas em salões de igrejas, clubes recreativos e outros espaços cedidos na marra para esse fim. O ufanismo que tomou conta do país não era espontâneo. Foi estimulado para dar credibilidade a um governo que não havia sido escolhido pela população e mesmo com a força das armas queria alguma legitimidade. Se desse certo poderia se perpetuar no poder. Conseguiu, a trancos e barrancos sobreviver por mais de vinte anos.

Uma de minhas irmãs chegou a ser professora do Mobral. Tinha apenas dezesseis anos e já era professora de gente de trinta, quarenta e mais anos. Havia no programa uma proposta embutida de controle de natalidade para pobres e iletrados. A população ignorante estava crescendo muito e isso não era aceitável. O mal da desigualdade tinha que ser cortado pela raiz. Distribuíam para as freqüentadoras um leite em pó contendo um remedinho que emperrava a fertilidade das mulheres. Minha irmã tinha o hábito de tomar do leite no salão da igreja onde dava aulas e isso lhe custou anos mais tarde um tratamento de mais de cinco anos para conseguir engravidar.

O orgulho de ser brasileiro era vendido em slogans, propaganda maciça, música e muita bordoada para os descontentes. Os maiores ídolos desse ufanismo chamavam-se Dom e Ravel, uma dupla que cantava os valores e possibilidades do povo brasileiro. Alguns defensores dizem que eles eram assim mesmo e que suas músicas foram usadas pela ditadura. Outros, que eles estavam a serviço do sistema. Mas ficou a obra e a gente aprendia e cantava na escola, na rua e ouvia no rádio e TV, todos os dias. Para o Mobral, compuseram uma canção comovente (clique no link abaixo para ouvir) que empurrou centenas de milhares de pessoas para as salas de aula na esperança de serem agraciadas pelo milagre econômico depois de aprenderem que dois e dois são quatro e fazerem as garatujas de seus nomes.


domingo, 13 de julho de 2008

UAI?

Continuo minha implicância com as palavras. Defendo até a última linha escrita ou o som gerado pela língua falada, mas umas expressões que a gente usa são de confundir qualquer aprendizado. Deve ser por esse motivo que as crianças quando aprendizes da fala perguntam tanto por que, ali pelos seus três, quatro anos de idade. Estão descobrindo o mundo, mas pensam. Logo, não concordam com muita coisa. Por que?

O sujeito xinga outro de filho de uma mãe, essa tão sagrada instituição que forma o conjunto de todas as mães e isso quer dizer filho de uma égua. Se dissesse logo de cara o filho de uma égua, já seria motivo para imediata reação, revide, pancada, equivalênia lingüística, do tipo: - É a sua! Mas não, ganhou o pejorativo sinônimo, não se sabe a razão. Talvez seja a intenção direta de ofender com metáfora. Mesmo sabendo que quando queremos realçar uma falta de educação, já vamos de cara perguntando, não tem mãe não, ô sujeito? Por isso que dá briga, costuma-se chegar às vias de fato, às vezes. Mãe não se xinga nem com poema. Falar mal de mãe para os homens equivale a um tapa na cara. Para as mulheres é o mesmo que dizer coisas semelhantes a: a beleza feminina sai com água e sabão. Agora o pai, que não goza de tanta reputação assim nas escalas de importância, ganha status, quando algum boa vida, privilegiado, mauricinho ou patricinha são chamados de filhinhos do papai.

O mesmo ocorre com outros significados daquilo que falamos exatamente o contrário do que significa. Um caso, o pois não. Quando dizemos a alguém que nos aborda ou atendemos a alguma solicitação, dependendo do nosso grau de boas maneiras, costumamos dizer pois não. Que na verdade, quer dizer sim. Já esbravejar ou maldizer ou ainda recusar uma proposta indecorosa, enxovalhar algum comportamento duvidoso, dizemos, pois sim, significando ora pois, isso não! Olhe só o que ocorre com o simpático, veja bem a cara do simpático. Não no sentido da amabilidade, ternura, agradabilidade. Mas é quando se é chamado assim com o intuito de tentar definir um meio termo entre o bonito e o feio. Diz no popular que simpático é o feio gente boa. Tem outros casos ainda, o inato, nasceu com a gente mas é inato. Pode? Por que?

domingo, 6 de julho de 2008

ÊH, MINAS

As muitas Minas de Guimarães Rosa e nossas podem ser constatadas por quem quiser viver como se estivesse em vários países, sem sair do próprio Estado. Essa Minas é grande demais da conta! E diversa também. Só entre o norte e o sul, tomando Belo Horizonte como referência, basta botar reparo nos lugares, situações e costumes para se sentir em casa e estrangeiro ao mesmo tempo num raio de algumas léguas para riba ou para baixo.
Duas viagens para um trabalho de seleção para qualificação de jovens, que os criadores da marginalização convencionaram chamar pelo eufemismo de jovens em risco social. Primeiro, Araçuaí, 700 quilômetros de BH, em direção ao norte, no Vale do Jequitinhonha. Pela janela do ônibus na espiada da paisagem a partir de Curvelo ou Diamantina, começa-se a notar a transformação no colorido da paisagem. A gente sai do verde para o cinza seco, com poucas folhas e muitos gravetos, gado magro. E, se observar sob as pontes onde sempre há uma placa que é sobre tal ou qual rio ou córrego, só se vê, na maioria dos casos, a trilha arenosa por onde um dia passou água. O sotaque é uma mistura sonora de baiano com mineiro, tanto quanto as comidas com farinha e pimenta de acompanhamento natural e necessário como sal e açúcar para nós.
Belo Horizonte por ser uma cidade relativamente nova para os séculos todos de Minas, não conseguiu criar uma identidade cultural que influenciasse o interior mais distante. As referências para os moradores das localidades mais próximos de outras divisas como RJ, SP e BA, são as capitais e costumes desses estados. Capitais inclusive tão antigas como o estado de Minas. São Paulo, Rio e Salvador têm idade para serem avós de BH.
Depois, não muito tempo, outra viagem, dessa vez para Poços de Caldas, 450 quilômetros para baixo, pertinho de São Paulo. Aqui, ô meu, cê pode olhar para debaixo das pontes pela janela do ônibus, que tem água mesmo, muita plantação verdinha de café pelo caminho e um gado gordo que minha boca ficava cheinha de água pensando naqueles cupins, naquelas picanhas... O gosto pela pizza na noite revela um peso paulistano nos costumes e na barriga. A fala tem aqueles erres engripados que chamamos de caipira. À noite, em um restaurante passava um jogo de futebol (paulista, diga-se) na televisão e resolvi descontrair e também provocar meus colegas atleticanos, fazendo um rápida enquete entre os presentes da cidade em tom alto: Aqui a maioria torce pelo Cruzeiro ou Atlético? Uma jovem aluna entre os outros que nos acompanhavam, defendeu-se:
- Que isso, mano, aqui é tudo Corinthians, Palmeiras, São Paulo...
- Mas e os times mineiros?
- Moço, aqui para nós, passou de Belo Horizonte para cima já é tudo baiano.
- Uai?

sábado, 5 de julho de 2008

DEPOIMENTO

O que escrevo é para ser eu mesmo E para ser lido pelos outros. É uma despretensiosa música composta. O retoque costuma parecer as maquiagens que têm o efeito oposto da intenção. Mas a gente faz e evita o espelho. Tem que ser mais próximo da fala desmedida ou comedida, conforme o falante e não o ouvinte. Tem hora que a palavra fica querendo contrariar a gente. Nunca sai como queremos. É preciso paciência, trocas, cortes, recortes, apagãos, respiração e retorno calmo para ela sair bonita, harmônica que nem nota boa. Faço um trato com as palavras. Peço a elas que pulem do dicionário e eu, em troca, lhes ofereço companhia para não ficarem sozinhas nesse mundo cão. Às vezes sou atendido, outras não. Por isso, paro e fico procurando entendê-las e elas esperando impassíveis, querendo lugar em algum espaço em branco que lhes valha a pena. Ficam bonitas quando encontram harmonia, entre si e comigo, pois celebrou-se o encontro.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

CABELOS BRANCOS

Tive que ir à farmácia para conferir. Ouvi pelo rádio a propaganda do óleo Atalaia para escurecer cabelos e fui para matar saudades. Nem imaginava que ainda existisse. Meu pai, na época, quarentão, pintava todos os dias os cabelos com esse artigo, que tinha um cheiro forte, feito produto após barba, misturado com perfume barato. Ficavam pretinhos e eu não entendia o porquê. Achava tão bonitos seus cabelos brancos! Parecia que era mais pai. Ainda mais que meu avô não os tinha e também eu o via poucas vezes. Sempre que chegava em casa após o trabalho, tomava o banho e ia para a enorme cozinha da casa que tinha só meias paredes na divisa com a área do tanque de lavar e o quintal. Ali colocava um desses espelhinhos pequenos e se barbeava. Depois tingia os cabelos e o bigode. A gente miúda ficava observando sem entender de vaidade adulta, pensando que era algum conserto na cara.

Na minha infância não era comum questionamentos de coisas exclusivas de adultos Não havia a democracia familiar ou o excesso de permissividade dos tempos atuais em que as crianças são as primeiras a opinar. Contrários ou a favor, nos era reservado apenas o sentido. No caso o da observação. E de preferência silenciosa. Na verdade os hábitos ligados à vaidade expressa ou manifesta eram mais afeitos às mulheres, ficando os homens mais restritos a uma boa higiene, cabelos, dentes e sapatos bem escovados. Para se conquistar um par, por exemplo, a boa lábia falava mais alto que a aparência.

Nem sei se essa é uma justificativa para manter firmes os meus cabelos que vão hoje branqueando vigorosamente a cada dia. Acho um processo natural e assim também ajo. Ou então para não ter que ouvir de minha filha mais nova com um pendor para a crítica desde muito pequena. A doce e ferina sinceridade das crianças... A Clara, nas suas primeiras palavras aprendidas me avaliou certa vez, quando me viu em uma camisa com estampas bem floridas. – Pai, você está redículo.

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