sexta-feira, 31 de outubro de 2008

ANTES DO VERDE IR MORAR NO DICIONÁRIO

Senhor administrador,

O duplo sentido das coisas afaga somente a quem sonha. A realidade costuma ser mais dura ou oposta ao imaginado. Ou então se faz metáfora com segundas (e más) intenções. Estou falando da linha verde, a ligação que vai fazer chegarem depressa os passageiros de avião que usam o aeroporto de Confins, aqui em BH. Sem discutir o mérito econômico da obra, quero falar mesmo é do meu devaneio.

Sinceramente pensei que o nome Linha Verde estivesse relacionado à beleza. Cheguei a imaginar um bulevar. Umas pistas ladeadas de árvores e flores. Um colorido que fosse capaz de prender a atenção dos passantes a ponto de perderem a noção do tempo que irão gastar de suas origens ao aeroporto e descobrirem novas e belas paisagens não vistas quando estivessem voltando para casa. Ou vice-versa. (Pausa: vice-versa continua com hífen, senhor administrador?). E o verde é só para os semáforos?

Você não vai mesmo me dar ouvidos, então deixe-me falar para o povo dessa cidade e para quem nos visita.

Começamos como Curral Del Rei. Convenhamos, curral não é um bom topônimo para servir de morada às pessoas. Ainda mais súditas. Aí, como tudo teve início lá no alto da serra, com uma vista de encher os olhos, decidiram por Belo Horizonte. E aos pouquinhos estão nos tirando o belo. Com tanto cimento, prédio e viaduto, onde ficará o horizonte?

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

MAIS DO NOVO

“Um país se faz com homens e livros.”

(Monteiro Lobato)



Deixem-me fazer aqui uma propaganda: submetemo-nos diariamente a todo o tipo de publicidade possível, imaginável, apelativa, abominável, insuportável, condenável, massificante, coisificante e inútil.

Será que só conseguimos nos sentir bem e felizes através do consumo de bens materiais? Não conta a alma, a satisfação que não precisa de enfeites, de ostentação?

Pois bem, o produto que eu quero disseminar aqui se chama leitura. Especialmente de livros. Toda leitura é bem vinda, ensina, inclusive, o discernimento daquilo que bom do que não é. Do agradável ou não. Da leitura que soa como música sem ruído. Afora o aprendizado, sem dizer o prazer que proporciona. Eu gostaria que esse comercial tivesse o efeito que provoca o de um sorvete, de um chocolate, de uma cerveja, de um belo vestido, de um carro novo. Mas esse efeito tem um probleminha: não é palpável, não é degustado com a boca. Ele é que toca a gente. Nos olhos, na mente e no coração.

Eu poderia fazer como se faz na publicidade que fazem dos bens que podemos ter, argumentando com os benefícios de uma televisão, da satisfação com uma comida pré-pronta, de uma escova que alisa os cabelos. Mas o argumento já está dentro das palavras, das letras, das histórias. Só lendo para perceber num curto espaço de tempo a diferença que se opera em nossa vida. Ao passo que os bens materiais, se vão, se desgastam, enjoam ou não preenchem de modo duradouro aquele desejo que tanto ansiávamos. Talvez até um pouco e por pouco tempo, fazendo-nos inclusive a desejar mais, cada vez mais para no final, não trazerem o preenchimento de uma lacuna que não está na aparência física, não está num cômodo da casa. Está dentro da alma.

Se for dar um presente ao seu filho ou filha, não deixe de fazê-lo para que não se frustre. Criança precisa de brincar. Mas dê um mais baratinho e inclua um livro com o troco. Se ele torcer a cara, pode ser que distorça mais tarde, com um sorriso iluminado. Se for para amigos ou parentes, não hesite um minuto.

E o mote final seria assim: Livros são como árvores. Plante a sua no jardim do coração de quem você gosta.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

MAIS DO MESMO

As franquias de estabelecimentos comerciais têm, além do objeto primeiro - o lucro - a palavra de ordem padronização. Sem ela não se franquia, sem ela não se comercializa, sem ela não há lucro.

Estou começando a desconfiar que estamos nos transformando em franquias. A superficialidade que caracteriza as coisas e as pessoas, as pessoas e as coisas e a relação entre todos tem nos transformado em franqueados da modernidade. O ser humano sempre procurou se diferenciar individualmente de alguma forma através, principalmente da estética. Hoje me parece que a estética tem se dirigido exatamente para um padrão. Ou os padrões têm ditado uma estética? Sei lá, me sinto tão enquadrado que é difícil definir.

Ora, se você não está me entendendo, seja rico ou pobre, deve ser porque não tem uma TV de plasma ou a sua não é digital. Você não deve ter uma bermuda ou camiseta dos Racionais, provavelmente não usa brinco (homem) ou não fez aquela tatuagem, colocou piercing. Sem dizer que não deve ser desse mundo se não participa de alguma comunidade do Orkut. Quem não está ligado no último espetáculo trágico da imprensa, quem não se liga no cotidiano das celebridades sem cérebros. Que ultrapassado é seu terno de linho, com tanta microfibra barata disponível! Seus cabelos ainda não foram alisados ou tingidos? Que horror, mulher! E grisalho, amigo, que é isso? É do tempo do meu avô!

Há uma lista interminável de mesma coisa. Faça a sua. O resto é exótico.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A BARCA DOS HOMENS

Havia dois barcos à margem de um rio. Um iria para o paraíso conduzido por um anjo e tinha apenas um bobo e um cruzado (que vou tratar aqui por diletante pregador de idéias). O outro, conduzido pelo diabo, levaria os condenados ao inferno. Nesse segundo barco tinha o frade, o burguês decadente, o comerciante desonesto, o médico incompetente, o velho devasso, o juiz corrupto, os adúlteros e outros tipos sociais muito comuns naquela época. À medida que as pessoas iam subindo e perguntando para onde seriam levadas, já estabeleciam um diálogo com o barqueiro que fazia o julgamento. E assim condenava todos ao inferno.

Gil Vicente faz uma sátira à sociedade do século XVI, desnudando especialmente as pessoas sem escrúpulos, gananciosas e egoístas. É o Auto da Barca do Inferno, sua mais importante obra, escrita há 500 anos. Quinhentos anos, portanto se passaram sem que toda a modernização tecnológica, política e econômica experimentada pelo mundo tivesse sido acompanhada pela redução dessas chagas.

Olhando num grande espelho a sociedade atual, a imagens refletidas parecem não ter se modificado muito. A nossa modernidade é restrita ao saneamento, aos brinquedos tecnológicos disponíveis para nos acelerar à frente do tempo físico. O tempo mental ainda é meio medieval.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

AEDO CIBERNÉTICO - O TRENZINHO CAIPIRA

UMA ÓTIMA SEMANA

CARPE DIEM

domingo, 26 de outubro de 2008

SUPERSTIÇÕES

Tio Jerônimo costumava chegar em nossa casa com uma garrafa de cachaça, embrulhos de balas e até frangos vivos, às vezes. Achávamos que era alguma comemoração especial ou uma surpresa para a sua irmã predileta, a minha mãe. Que nada. Coisas que recolhia de despachos nada burocráticos encontrados pelo caminho. Ela o mandava sumir com aquelas coisas malditas de nossa casa, que eram oferendas de macumba. Dizia ele que se a pessoa pegasse com a mão esquerda, desfazia qualquer mal ou então, se a mandinga tivesse sido feita para outra pessoa, não atingiria nem mesmo um incauto.

Cresci entre a cisma e a vontade de me aventurar numa atividade assim, nem que seja por curiosidade apenas. Mesmo porque, já deixei a pinga faz tempo. Mas um franguinho é sempre bom. Ando diariamente em volta da lagoa da Pampulha, aqui em Belo Horizonte e vou confessar: ainda tem muita gente que gosta de macumba. Não há dia que amanheça sem umas frutas, vinhos, cestos até bonitos com farofas, roupas intimas e velas, muitas velas sob árvores ou nas esquinas onde se cruzam mais de duas ruas, as famosas encruzilhadas. Às sextas feiras a orla parece mesa de banquete.

A diferença de agora para as macumbas que vi em minha infância parece residir no poder aquisitivo dos que encomendam os “trabalhos”. Aumentou bastante. Já vi de salmão, frutas importadas, até uísque. Ou então as entidades ficaram mais exigentes.

Minha mão esquerda está coçando.

domingo, 19 de outubro de 2008

REFÉM

Você é convidado a tripular um barco onde o dono quer pegar muitos peixes. Peixes grandes e pequenos e médios. E você tem que ajudar a pescar com a promessa de que ganhará peixes. Dependendo de sua capacidade de pescar, você pode ganhar bagres e lambaris, ou pintados e dourados , até mesmo salmão e anchova. Se você parar para descansar, ficará sem os peixes até que retorne à sua atividade. Se desistir, perderá todos os peixes. Se o barco afundar, só o dono possui bote salva-vidas. Assim é o cliente fidelizado, como são chamados os incautos fregueses dos vendedores e prestadores de serviços em geral. Transformamo-nos na verdade em reféns da nossa própria vontade de consumir bens e serviços.

Fidelidade pode ser um trato ou uma opção. Acho que obrigação, nunca.

Estou criando o cliente refenizado, que é similar ao fidelizado, com a desvantagem de pesadas multas em caso de desistência do serviço ou produto. É engraçado. A gente sustenta os fornecedores e para que eles nos continuem fornecendo, somos obrigados a lhes ser fieis. Tudo bem, quando o produto ou serviço é bom. A gente é fiel sem precisar de nada em troca. Basta a satisfação com a qualidade do atendimento, da procedência do artigo, da excelência do serviço. Fazemos até propaganda ajudando o dono a economizar com marketing. E olha que funciona melhor a divulgação à boca pequena.

Estamos acostumados ao toma-lá-dá-cá imposto pela monetarização da vida, pela extinção do ato renegado. O sujeito vai à sua casa para consertar uma instalação ou aparelho. Se o serviço for bom, o preço também e o trato pessoal razoável, é quase automático que você o indicará para outras pessoas que necessitarem do mesmo serviço. Na feira é a mesma coisa; no supermercado, na loja, enfim, retribuímos os afagos voltando sempre e indicando para quem quiser saber. É uma reação natural de satisfação, quase instintiva.

O que vivemos é o inverso. Você terá boas condições, bons serviços e bom trato se for fiel a quem lhe vende um serviço ou produto.

(P.S.): E na vida a dois, hein?

sábado, 18 de outubro de 2008

AINDA É PRIMAVERA

O horário de verão só atrapalha o sono. Mas dizem por ai que o sono bom é responsável pelo metabolismo do corpo e até do humor.

Ele ( o horário) veio para atrasar beleza e adiantar dinheiro.

Bom mesmo é passarinho que não precisa olhar no relógio dos homens para cantar.

domingo, 5 de outubro de 2008

ESCLARECIDOS

Na fila da padaria dois senhores divagam sobre o assunto do dia:
- Que saco ter que ir lá votar, né? Acho que o voto não deveria ser obrigatório. A gente poderia até escolher melhor.
O outro, em tom alto como quem quer angariar adeptos para suas idéias:
- Eu não acho, não. Você sabe que quem elege os prefeitos é o provo da periferia, né? (sic). Eles seriam os mais prejudicados. Os primeiros a deixar de votar nesse caso, seríamos nós, as pessoas mais esclarecidas (sic, sic, sic). Aí, a corrupção iria aumentar .
O primeiro, meio na dúvida, meio esclarecido:
- Acho que podemos votar no candidato do prefeito, afinal ele (o atual) fez um bom trabalho, né?
- Eu não falo mal, não. Quer dizer... É, acho que foi bom... Mas ainda na sei, eu pessoalmente não tive benefício nenhum nesse tempo todo.
Saí depressa antes que minha língua não se agüentasse dentro da boca. Eu iria dizer: Não sou contra nem a favor, muito antes pelo contrário.

sábado, 4 de outubro de 2008

EÇA DE QUEIRÓS

"Os políticos e as fraldas devem ser trocados frequentemente - e pela mesma razão."

SISTEMA, REGIME, ELEIÇÕES...

Não há nada de errado com aqueles que não
gostam de política, simplesmente serão
governados por aqueles gostam.

Platão

Educação gera conhecimento, conhecimento gera sabedoria, e, só um povo sábio pode mudar seu destino.

Samuel Lima

Em política, a comunhão de ódios é quase sempre a base das amizades.

Charles Tocqueville

A diferença entre a moral e a política está no fato de que, para a moral, o homem é um fim, enquanto que para a política é um meio. A moral, portanto, nunca pode ser política, e a política que for moral deixa de ser política.

Pío Baroja

A política é a arte de captar em proveito próprio a paixão dos outros.

Henri Montherlant

Nada é tão admirável em política quanto uma memória curta.

John Galbraith

Quem não se ocupa de política já tomou a decisão política de que gostaria de se ter poupado: serve ao partido dominante.

M. Frisch

A política é a condução dos negócios públicos para proveito dos particulares.

Ambrose Bierce

A política... há muito tempo deixou de ser ciência do bom governo e, em vez disso, tornou-se arte da conquista e da conservação do poder.

L. Bianciardi

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

ZÉ DO OVO

Zé do ovo era um rapaz esquisito, acabrunhado, cabisbaixo, calado, sério. Quase dois metros de altura, uma magreleza de invejar as modelos atuais. Nunca ouvi sua voz, nem nunca sabia aonde ia. Passava todos os dias duas vezes na minha rua, seguindo a mesma trilha. Não andava no meio fio, só no canto esquerdo da rua. Ia e voltava sem um embrulho sequer na mão. Uma diversão para os meninos da rua era vê-lo passar e gritar ‘Zé do Ovo’, correndo em seguida para esconder, talvez pudesse ser violento. Nem isso dava para saber. Apesar de magro era muito grande, quase adulto. O chamávamos assim por causa de sua corcunda.

Começou a aparecer há tempos um caroço nas minhas costas. A princípio ardia um pouco e, dois médicos depois, fui acalmado, dizendo-me ele que era gordura localizada, tiloma, sei lá. O negócio de lá para cá só vem crescendo apesar de a queimação ter parado. Na última consulta, levei um baita susto. Ele afirmou que é para retirar sob o risco de se transformar em um tumor. Já vou providenciar rápido com medo de pagar língua. Já estou meio redondo para ser chamado de Zé do Ovo.

O feitiço virando contra o feiticeiro ou a vaidade doendo mais que o medo.

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