domingo, 28 de fevereiro de 2010

A FUNÇÃO DA LITERATURA

A literatura tem função? É didática, pedagógica, prazerosa, psicológica? Em que medida ela nos afeta a ponto de usarmos expressões como “me atingiu em cheio” ou “caiu como uma luva” e “vestimos a carapuça”?

A arte da representação veio antes dela. As ferramentas que o homem aprendeu a fazer para se virar no meio da selvageria (aquela mais primitiva do que a atual), serviram também para fazer representações do mundo, até então sem espelhos. Os primeiros homens faziam arte nos momentos de folga para extravasar ou para agradar seus pares? Estão aí as pinturas nas cavernas. Era para ensinar as crianças como viam as plantas e os animais? Era uma representação de si mesmos? E depois da escrita? Passou a ser para quê? E depois do dinheiro, passou a ser para quê? Ou não alterou nada o que ainda sequer consigo encontrar resposta?

O hábito da leitura deixou de ser solitário aqui nesses tempos de on-line pra cá, on-line pra lá. No computador (e aqui incluo o recanto das letras) a gente lê ao mesmo tempo em que está dialogando com o autor. Então, não creio que a imensa maioria dos que se aventuram na escrita estejam apenas fazendo um desabafo intimista sem querer uma voz do outro lado da linha, esteja ela em sua própria casa ou no Tibet , se lá receber e enviar sinal para a rede mundial.

Os comentários que fazemos nos textos são os ecos que saem de nosso sentido provocado pelo teor da mensagem. Seja poesia, crônica, conto, artigo, frase, pensamento, enfim, a locução que foi utilizada. Cada uma com suas peculiaridades ficcionais ou reais estabelecem contatos imediatos de primeiro grau, feito um parentesco às avessas entre o escritor e o leitor. Sentidos: alegria, raiva, identificação, discordância, aceitação, deleite...Até cópia tem gente que não resiste e faz, pensando-se esperto ou julgando-se incapaz de produzir algo que saia de sua própria cabeça, sem admitir publicamente.

Muito bem! Isso aqui é uma divagação sem intenção de respostas definitivas. Reflexões apenas sobre o ato de ler, escrever e mergulhar no mundo da palavra escrita. E a literatura para mim tem essa função além do prazer e do aprendizado que vem depois, como uma refeição bem aproveitada pelo organismo. Não sou bovino, mas engordo ou emagreço com o que me alimento e rumino o que não me serve para o fortalecimento do espírito, pois é ele que a literatura alimenta.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A PRESSA DA IMPRENSA

Andam dizendo por ai que a tendência será em pouco tempo desaparecerem os jornais e revistas impressos, substituídos pela velocidade e mais autonomia da internet. A interatividade também conta muito, uma vez que o leitor pode opinar quando concorda ou não com o assunto. Há ainda a possibilidade dele mesmo criar seu próprio domínio e dar notícias ou enviar as que produzir para serem publicadas em um determinado site. Eu sou contra, apesar da minha opinião não ter nenhum valor. Somente por um motivo: sou viciado em jornais e revistas, sou viciado em notícias, mas gosto especialmente desses veículos. Eles não são melhores, pelo contrário. Mas são os tais rituais com os quais a gente se habitua. Sentar e ler o jornal na mesa da cozinha e a revista no banheiro. Isso já faço há uns trinta anos.

E sinto cada vez mais a aproximação do fim. Primeiro, um súbito rebaixamento de preços dos jornais e revistas, tanto de capa quanto de assinatura. Nunca recebi tanta proposta de assinaturas em minha vida e nunca vi tantas promoções e prêmios aos assinantes. Se bem que prêmio melhor que eles poderiam nos ter dado esses anos todos era uma imprensa menos parcial, menos travestida de compromisso com a verdade. É um negócio como qualquer outro. Como podem se dizer livres se vivem em função de lucro? Em todo e qualquer negócio que se depende de dinheiro para a sobrevivência, manutenção e crescimento, há alguma sujeição. Enquanto existir dinheiro no mundo Isso não mudará. A menos que o dinheiro deixe de ter donos individuais. Coisa mais improvável.

Esses fatos contribuíram para as pessoas, principalmente as mais novas a migrarem para a rede mundial. Elas já cresceram habituadas às efemeridades e rapidez. E por último, a velocidade é impressionante. Estava lendo no jornal impresso sobre um atentado com uma seleção de jogadores de Togo, África. Lá dizia que eles desistiram de participar de um torneio africano em função disso. Logo que terminei, liguei o computador e eles já haviam anunciado que voltaram atrás em sua decisão. No mesmo jornal, falavam de uma cirurgia a que a Hebe Camargo ia ser submetida e na internet, logo a seguir, já tinha o diagnóstico e previsão de alta. Pois bem, acho melhor ir me acostumando a colocar os óculos e ficar sentado na frente do monitor lendo notícias. No banheiro, fico com as minhas palavras cruzadas.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

DEMITIDO DUAS VEZES

A NOTÍCIA
Cochilar revigora energias e aumenta produtividade
Churchill defendia o cochilo no meio tarde. "É uma maneira de ter dois dias em um", afirmava. Bill Clinton, Lance Armstrong, Napoleão Bonaparte, Einstein e Leonardo da Vinci também sempre apoiaram o descanso vespertino. A Toyota no Japão instituiu a prática como obrigatória. Além de ter funcionários mais motivados, a direção diz que economiza dinheiro, já que as luzes da fábrica são apagadas no período.Já foi-se o tempo em que dormir no serviço era sinônimo de gente preguiçosa e sem pique para trabalhar. Tradição em muitos países, especialmente os latinos e na Espanha, a siesta começa a vencer preconceitos e ser levada a sério pelos brasileiros. Isso porque tirar de 10 a 40 minutos para uma cochiladinha pós-almoço revigora o cérebro, desperta a atenção e prepara a pessoa para o "segundo round" no exaustivo dia de trabalho. E a boa notícia é que, excetuando os casos de insônia crônica, não afeta o sono noturno.

---------------------------------------------------------------------------------------------
Fonte:
http://beleza.terra.com.br- 12/08/09
---------------------------------------------------------------------------------------------

A CRÔNICA
Eu adquiri uma hérnia de disco na coluna e alguns médicos independentes me disseram que foi proveniente de esforços repetitivos e excesso de peso mal administrado pela cabeça na hora de comandar o corpo na forma de carregar as coisas, de abaixar, sentar e por ai. Só os médicos da empresa onde eu trabalhava disseram que era inato, sem nenhum exame. Pesquisei e nunca vi em literatura médica alguém afirmar que isso é hereditário. Tudo bem. Pode ser defeito de fabricação Já está instalada e não há reparação que me anime a operar. Já vi gente muito mais nova que eu ficar aleijada para sempre. A cirurgia é uma espécie de jogo de azar. Desde que você conte, inclusive, com uma equipe com tanta sorte quanto talento profissional, a cura dura por volta de seis a sete anos. Depois o problema volta.
Nos últimos tempos antes de me aposentar, as dores estavam se tornando um martírio, a ponto de algumas vezes necessitar de uma muleta para auxiliar na locomoção. Um médico me fez uma recomendação terapêutica para não precisar de me afastar do trabalho
- Quando sentir dores demais, deite-se no chão duro por uns dez ou quinze minutos e fique bem quieto até a dor passar. Depois pode voltar às suas atividades. Isso deve acontecer com você pelo menos uma vez por semana, dependendo de sua atividade. Além disso, tome os relaxantes musculares e antiinflamatórios direitinho.
Acontece que eu era dirigente sindical nesta época e não gozava de muito prestígio junto aos chefes. E eles eram loucos para conseguir um pretexto inquestionável para me aplicarem uma demissão por justa causa. Tinha motivo melhor do que esse? Ser apanhado deitado em pleno horário de produção? Ainda lembro que a produção na mina onde trabalhava acontecia em todas as 24 horas de todos os dias de todos os anos, desde 1942.
Pois aconteceu de ser acometido por uma queimação na região lombar como se o local estivesse sendo atingido por uma labareda, de tanto ardor que a dor provoca. Segui a receita do doutor e me deitei um pouco no chão da sala. Acresce que cochilei (dizem que a intensidade da dor provoca uma injeção natural de alguma substância anestesiante). E algum dos chefes entrou nesse intervalo e me demitiu duas vezes. Uma pela satisfação pessoal e outra pela desídia, segundo suas próprias palavras.
Como a demissão por justa causa de trabalhadores estáveis necessita de processo administrativo ou judicial para provar que houve falta grave, tive que arrolar o médico como minha testemunha de defesa e o juiz que me absolveu e mandou me reintegrar ao trabalho deu foi muitas gargalhadas com o inusitado do caso. Mesmo assim fiquei cabreiro demais com esse negócio de cochilo se eu não estiver no chão da minha própria casa.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

PARA UMA IRMÃ

"Ai, quantas lágrimas eu tenho derramado
Só em saber que não posso mais
Reviver o meu passado
Eu vivia cheio de esperança
E de alegria, eu cantava, eu sorria
Mas hoje em dia eu não tenho mais
A alegria dos tempos atrás.”
(Quantas Lágrimas – Manacéia)



Aos quinze anos acabou-se a minha adolescência. A circunstância abreviou a sua precocidade. Foi na minha festa de despedida preparada de surpresa pela minha irmã Néa e pelos colegas de turma do bairro, na casa da Tânia. No dia seguinte eu iria enfrentar a sina encomendada pela minha mãe de sair para a capital estudar, trabalhar e vencer na vida. Não sonhava muito diferente da maioria das famílias para os seus filhos: um bom futuro poderia estar me esperando e eu é que não podia ficar parado. Não me queixo, portanto, que fique esclarecido. Eu quero é lembrar desse período de breve duração, mas com marcas tais que daria poucas páginas e muitas aventuras. E ao mesmo tempo homenagear a minha irmã que foi minha companheira de tão rápida passagem, mas não pouco significativa por causa de tanta intensidade e afeto.

Dos doze aos quinze foi o quanto durou. Teve uma mudança de bairro dentro desse intervalo. O local onde havíamos passado a infância ficara para trás junto com muitas histórias. Para crianças, difícil não haver alegrias por motivação própria. Tristezas, se há, são vindas de problemas que os adultos transferem impunemente para elas.
Da grande família já havia agora um espaçamento que as idades e as responsabilidades vão colocando no caminho. As irmãs mais velhas, já se casando ou entabuladas para outras paragens. Os irmãos partiram para arriscar o sonho primeiro e ficamos os três mais novos. Eu e a Néa com diferença de apenas um ano, começamos a coincidir as manifestações hormonais e visões de mundo. Assim, ficamos mais próximos e amigos inseparáveis, cúmplices até nos dribles e bravatas típicos da adolescência.

Os discos de Maria Bethânia, Beatles, Gal Costa e Gilberto Gil, Rita Lee e Cartola. Abba e Peter Frampton marcavam ora nossas baladas, ora embalavam nossas confidências no porão da casa nova, numa vitrolinha de LP’s parecida com uma valise. Entre conversas de namoros e um cigarrinho escondido (apenas eu), cantávamos de cor e salteado o repertório de “Drama, Luz do Terceiro Ato”, LP que Maria Bethânia gravara ao vivo em 73. Néa devotava uma paixão pelas músicas, um envolvimento tão profundo, um encantamento tão honesto que não havia como não contagiar-me e nós cantarolarmos juntos repetidas vezes sem nos cansar.

Os namoros às escondidas faziam-nos dupla imbatível no engambelamento materno. Saímos às noites com a recomendação da nossa mãe de que eu tomasse conta dela e contasse tudo que visse de “diferente” na volta. Combinávamos horário e local para nos encontrar antes de voltar para casa e cada um seguia seu rumo nas penumbras do bairro iluminado pelos postes de lâmpadas ainda incandescentes e muitas árvores de frondosas sombras da cumplicidade com mãos dadas e beijos tímidos. Nessa fase, a vida meio adulta só era assumida à noite ou após o banho. De dia as brincadeiras ainda misturavam a infância mal terminada com um desejo intruso de ser gente grande. Quanta saudade!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

À GUISA DE SOLIDÃO

Solidão é lava que cobre tudo/Amargura em minha boca/Sorri seus dentes de chumbo/Solidão palavra cavada no coração/Resignado e mudo/No compasso da desilusão.”
(Dança da Solidão - Paulinho da Viola)



A NOTÍCIA
Solidão é contagiosa como uma doença, diz pesquisa
Um estudo conduzido conjuntamente pelas Universidades de Harvard, da Califórnia, e de Chicago, mostrou que pessoas solitárias costumam espalhar seu modo de encarar a vida a quem os cerca e que, após um tempo, esse grupo acaba se posicionando à margem da sociedade. Aparentemente o processo funciona, pois pessoas solitárias têm menos interações com os outros e só isso por si leva os outros a sentirem o mesmo.
Segundo o líder da pesquisa, Dr. John Cacioppo, existe um padrão de contágio da solidão que leva as pessoas a se afastarem da vida social e destruir até mesmo os poucos laços de amizade que restam...
_________________________________________________________
Fonte:
http://vidaeestilo.terra.com.br/homem/interna/11/12/09
_________________________________________________________
A CRÔNICA

Trabalhei durante sete anos com o Gouveia e só descobri que ele possuía dentes porque almoçava no mesmo restaurante que todos. E mastigava. De vez em quando também proferia umas poucas palavras. e dava para ver que tinha dentes de uma simetria e brancura invejáveis. Sorriso, nunca mostrou. Sisudo e carrancudo, ficou prejudicado em todas as possibilidades de ascensão na carreira, apesar do grande profissional que era. Entendia de sistemas hidráulicos, desenhos técnicos e matemática como poucos. Seu comportamento parecia de um autista. Diziam que era um solitário. Eu preferia dizer que estava numa fronteira entre timidez, misantropia e falta de educação. Se não fazia bem a quem quer que fosse, também mal físico não arriscava. Estava mais para impassibilidade. Só tinha um detalhe que o afastava de amizades sinceras: era um agiota. Talvez seu riso se reservasse para os momentos em que estivesse sozinho em casa contando dinheiro e o mal que ele causava fosse a ira que atraía para si por causa dos juros altos.

As formas como as relações humanas se estabelecem costumam esvaziar alguns conceitos ou então enchê-los de significados de tal forma que o próprio conceito fica confundido. Liberdade, solidão e felicidade são três estados da alma que bem poderiam compor, junto com o tempo, o universo das relatividades. Quase nunca sei definir essas coisas com muita propriedade. A solidão que me acomete de vez em quando é uma escolha que faço por necessidade de reclusão para elaborar alguma forma de me sentir colocado no mundo. O mundo não se adapta a ninguém por mais poderoso que seja o sujeito. A própria subjetividade elimina essa possibilidade. Isso, não creio que contagie ninguém. A minha felicidade não passa de um estado de alegria do espírito e já notei que, se bem cuidado pode ser duradoura. Minha liberdade é poder sonhar, ir e vir. E uma certeza quanto ao meu pensamento: ele é inexpugnável. Contagioso é mau humor.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

UM BLOCO BRASILEIRO *

De manhã, as manchetes
No radio, jornal, televisão
“O Brasil agora começa
a funcionar”, eis a previsão
Vamos ver se não tropeça,
O carnaval passou
O ano novo lá atrás ficou.

Condenam o país
Que dizem, não quis
Abrir o ano em janeiro
Foi-se também fevereiro
Mas se engana quem assim pensa.
Quem crê na imprensa
Não vê o Brasil, funcionar inteiro.

Pára banco, shopping, pára loja,
Pára escritório, ar condicionado, oficina,
Pára, da pirâmide social,
Somente o andar de cima
Não atrapalha nem desanima
No fim, fica tudo normal.


Quem acha que o leiteiro, o padeiro,
Motorista, metroviário, enfermeiro
Médico, mercadista, açougueiro,
Consegue parar prá pular carnaval
Ou é de Paris, onde se é mais feliz
Com muito glamour e dinheiro
Ou então não sabe o que diz
Não come, não bebe, não cura
Ressaca, joelho, ranhura.

Essa gente que não pára, entra noite sai dia
Repõe toda a nossa energia
Perdida em meio ao turbilhão
Depois de tanta folga, tanta folia!

UMA SINGELA HOMENAGEM AOS MILHÕES DE BRASILEIROS QUE SÓ TÊM NOTÍCIAS DO CARNAVAL PELAS CARAS QUE ATENDEM NOS DIAS SEGUINTES DA FOLIA.
* Será editado tantas vezes quantas forem as insistências dos que dizem que ninguém trabalha no carnaval.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

UMA CRÔNICA DE FICÇÃO DOENTIA

E foi assim que o homem, vendo que não evoluía mesmo naquilo que deveria ter de mais essencial - a essência -, resolveu oficializar em seus cursos de medicina a disciplina que reúne um caldinho de todas as outras, mais potente e eficaz. A intenção era acabar de vez com todo sentimentalismo que atrapalhava o progresso da humanidade. A matéria passou a se chamar “anatomia fisiológica das emoções.” Se não haveria mais bondade, por outro lado a maldade também cessaria. E a vaidade também esvairia-se. Tudo devidamente dissecado, esmiuçado, escarafunchado e desvendado de dentro para fora dos cérebros e corações dos homens.

A medicina avançou muito depois daquele estágio que já vinha demonstrando uma tendência quando foi realizado o projeto genoma. No século XXI desenvolvia-se a passos largos a fim de tornar o homem mais instrumentalizado para lidar com problemas que o cérebro insistia em mostrar ao vivente que estavam ligados a sentimentos. E ela tratando com produtos químicos. Cada vez mais fortes; tão fortes quanto eram as manifestações dos pacientes. Isso estava atrapalhando muito a produtividade humana como um todo. Descobriram uma peça solta na cabeça e deram-lhe o nome de ínsula (isolada). Ela seria a responsável por essas absurdas e ousadas e ameaçadoras manifestações humanas do ponto de vista que mais interessa ao homem do terceiro milênio: a economia.

A ciência médica passou a ter muita facilidade com os tratamentos. Os hospitais viraram verdadeiras oficinas, as queixas eram bem fáceis de se localizar, não havendo mais nenhuma interferência de neurônios transmissores de sensações que desembocam em doenças. Aquela coisa de somatização virou passado sanado. Agora era só dizer onde doía, onde incomodava e estaria feito o reparo em instantes. Uma economia e tanto com os gastos públicos em saúde.

NOTA PARA O FUTURO: Este texto está autorizado a ser corrigido caso venha cair nas mãos de quem discordar, afinal foi escrito ainda numa época em que havia resistências emocionais, portanto não é possível se falar de felicidade humana no futuro, pois esse é um sentimento que deixou de fazer parte dos homens juntamente com todos os demais. Tudo agora é sensação.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O TECLADO

- Não me venha com saudosismos de novo! Não é possível, você e essa sua mania de ficar comparando o passado!.
- E nem é com o presente, minha querida, é com o futuro. O presente creio que nem existe, de tão depressa que as coisas estão andando. O presente foi ontem.
- Mas querer escrever de caneta não dá mais. Isso é só na escola, os meninos ali, nas primeiras letras. E olhe lá! Daqui a pouco eles também já estarão sendo alfabetizados em “carteclas”.
- Que isso, mulher?
- Carteclas são as letrinhas das teclas do computador. Cartilha feita de teclas. O único problema que falta pra resolver é alguém colocá-las numa seqüência alfabética. Isso iria atrapalhar aos que já estão acostumados com a disposição das letras no teclado. Aliás, quem inventou o teclado? Que maluco! Botou as letras todas misturadas, sem lógica nenhuma.
- É mesmo, nunca havia pensado nisso. Qual seria a intenção do cara que o inventou começando com o “Q” e terminando com o “M”?
- Dizem que foi um tal de Chistopher Latham Sholes. No mínimo estava tentando datilografar o próprio nome, daí essa mistura toda. É uma longa história que começa lá com a máquina de escrever. Mas, você já está tão acostumado, por que lembrar da caneta? Aliás, está tão acostumado que agora só escreve em letra de forma, não mais em letra cursiva. Outro dia até o cheque você assinou com letra de forma!
- Confesso que a única vantagem no teclado é que a duas mãos doem por igual. Com a caneta é só uns dedos que ficam doendo. Minha raiva mesmo é com o circunflexo. Toda vez que vou colocar esse acento, ou sai só ele, ou sai o til no lugar. Isso, sem falar no quarteto traidor. Ficaram ali pertinho o S, o C, o X e o Z. Quantas vezes eu acabo trocando uma com outra! E o pior é quando elas têm o mesmo som na palavra! Quem vai acreditar, por exemplo, que o escelente que você escreveu não foi uma esbarrada no lugar errado? O texto poderia ter ficado excelente. Teve um dia que escrevi exxência, pode uma coisa dessas? Perdeu toda a essência.
-Inaceitável foi aquela troca de “és minha mulher” para “minha ex-mulher”. Vai me dizer que foi erro de digitação!?!?
- Ih, pintou xujeira! Quer dizer, sujeira!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

BARATAS

Baratas e ratos me incomodam tanto quanto escândalos políticos e corrupção. Tenho asco de tudo isso. Mas vou falar só das baratas. Elas estão entrando pelos ralos, ao contrário de nosso dinheiro que se vai por eles. Vejam a diferença das trajetórias. Elas saem das imundícies e vem contaminar as nossas casas, enquanto que a corrupção e a falta de ética, de vergonha e outros adjetivos inatribuíveis a certos caras entram pelo submundo imundo dos parlamentos e escritórios de negócios e saem em forma de dinheiro que vai cair nos limpinhos cofres dos paraísos fiscais ou nos condomínios de luxo por esse mundo afora.

Voltemos às baratas domésticas, que por enquanto dá para livrar delas com uma chinelada. Foi de madrugada que cheguei à cozinha para preparar o meu habitual cafezinho companheiro e ela estava saindo pelo ralo da pia. Tinha força para empurrar a tampinha de arame trançado. Eu vi. Parei de duvidar que elas teriam resistência a uma radiação nuclear. Abri logo a torneira e ela combatendo como se suas inúmeras patas tivessem algum mecanismo pegajoso ou garras nas pontas. Tanto que custou a descer. Foi só o tempo de fechar a torneira e lá estava ela de volta. Meio tonta, mas subindo impunemente pelo cano. Eu não sei que raio de nojo é esse que dá na gente. Dizem os “especialistas” em baratas que é inato, o asco é instintivo.

Deus quando colocou essas pequenas pragas no mundo deve ter pensado no frágil equilíbrio sensorial humano. “Vocês não terão medo de dilúvios e cataclismos, mas tremerão diante de baratas e ratos para ver se tomam coragem de encarar as mazelas que lhes causam chagas de verdade”. Numa antecipação do que seriam as relações asquerosas de poder entre os homens? Só pode!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

ASSUNTO DE SERVIÇO

-Olha aqui, pessoal, eu bati meu cartão às 16 horas. Vamos mudar de assunto? O Tonhão falava sempre assim, espichando o braço e mostrando o relógio quando o assunto nas rodas de bar, na beira da quadra, ou até mesmo na fila do banco era sobre o dia passado no trabalho. Falar mal dos chefes até que podia, mas diretamente sobre o ofício, era para ele insuportável.

O Zé Geraldo não fazia outra coisa nas suas horas de folga. Era sobre uma pendência deixada, era sobre algo que deu errado ou algo que deu certo. Aliás, ele quase nunca ia direto para casa. Todos diziam que era para curtir um pouco mais o uniforme da empresa que ele vestia com tanto gosto. Dava uma desfilada pelo centro da cidade até quase anoitecer.

O trabalho ocupa cerca de um terço de nosso tempo de vida. Então é natural que depois de uma jornada sejam feitos comentários acerca do dia que passou. O que torna a conversa insuportável é não mudar de assunto nunca. Quando enchia o saco, a gente costumava dizer: ô fulano, você já saiu da empresa, agora deixe que ela saia de você. Amanhã tem muito “pano pra manga” lá no serviço, seu chato!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

QUEM AJUDA QUEM?

A NOTÍCIA
Homens que fazem trabalho doméstico agradam mais as mulheres

Existe a máxima machista que prega que mulheres devem esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque, mas em alguns países, essa filosofia é garantia de uma vida solteira. A Universidade de Oxford promoveu um grande estudo em 12 países, envolvendo uma amostra de 13.500 homens e mulheres entre 20 e 45 anos para definir o índice de igualdade entre sexos a partir de atitudes pessoais em relação a trabalho doméstico e responsabilidades na criação de filhos.

Uma das questões mais interessantes levantadas pela pesquisa são os efeitos colaterais da postura típica de macho em não ajudar em casa. Nos países mais igualitários as mulheres se pronunciaram mais propensas a casar ou juntar os trapos do que naqueles que se encontram nas últimas posições. E só aceitariam o matrimônio com homens de cabeça mais aberta e dispostos a dividir tudo. Já os homens entrevistados, não importando de que grupo de nações se encontra, afirmaram que preferem mulheres com menor expectativa de igualdade em casa e que seguramente ficariam com aquelas dispostas a fazer todo o serviço doméstico.
E se você quer um motivo extra para arregaçar as mangas e - pelo menos - lavar seu prato e seu copo depois de comer e recolher a toalha molhada da cama, um jornal britânico especializado em medicina esportiva publicou em 2008 que 20 minutos de trabalhos domésticos melhoram o estado mental e reduzem o stress diário (assim como caminhar ou praticar esportes). Só lembrando que lavar o carro nos domingos não é considerado trabalho doméstico, ok?

---------------------------------------------------------------------
Fonte:
http://beleza.terra.com.br/homem/interna/01/09/09
---------------------------------------------------------------------
A CRÔNICA

A pesquisa não levou o Brasil em consideração. Um absurdo, se considerarmos que casam-se cerca de 900 mil pessoas por mês no país, fora os que vão morar juntos e não há documentos oficiais, mas é casamento da mesma forma. É nesses momentos, principalmente, que entra em cena o Arcanjo Isabelito Salustiano, com sua filosofia prática. Portanto quero lhes dizer que ele já foi às ruas, seu local favorito de divagações e experimentos e colheu suas impressões acerca do que acontece em nosso país sobre o assunto.
Eis que ali pelo primeiro ano debaixo do mesmo teto começa a cizânia familiar. O casal naquela fase onde a paixão inaugural está para se firmar como amor de verdade ou transformar-se num ódio insuportável começa a ter as primeiras brigas. É uma toalha molhada deixada em cima da cama todos os dias, meias espalhadas pela casa, o cara que chegou cansado achando que vai encontrar uma comidinha quente e vê a esposa pedindo um sanduíche ou uma pizza com o dinheiro que era para pagar a conta de luz; é a sogra de um dos dois que começa a dar pitaco no casamento... Dificilmente tem duas sogras que combinam em tudo com os respectivos genros ou noras. É quase uma regra. Quando são exceções dão pitacos do mesmo jeito. Para o homem é mais ou menos assim:
- Meu filho, essa sua mulher não tem um tempinho de limpar a casa direito, não? Faz dois dias que estou limpando aqui e olha quanta sujeira!
Para a filha:
- Minha filha, você precisa cobrar mais do seu marido que divida com você as tarefas domésticas. Não estamos mais nos tempos de escravas do lar, não!
E essa sabedoria da intromissão fica martelando na cabeça de ambos.

Certo é que a única certeza é que não tem regra fixa para nada. Quer dizer, para nada que não seja necessário um combinado a fim de não prejudicar uma convivência pacífica e harmoniosa. E ela inclui uma matemática sem nenhuma exatidão numérica, exceto no número de filhos. Afinal, casamos não é para somar e dividir amor e responsabilidades?

domingo, 7 de fevereiro de 2010

UM INSPETOR MUITO LOUCO

Pacheco era um cara dramático. Seus modos de assustado e temeroso me encantavam. Tinha um ar de mistério em tudo que falava. Acho que era um desviado de função na empresa e de lugar na vida. Lhe cairia bem ser roteirista de filmes de suspense.

Mecânico de boas habilidades, cuidava de um setor que se chamava água e ar. Eram os responsáveis pela manutenção dos sistemas de água potável e da água para uso industrial. Além dos bebedouros, sanitários, restaurante, laboratório, ar condicionado das salas e do ar comprimido que alimentava circuitos pneumáticos em geral. Ele parecia dialogar com as máquinas.

Deu-se por suas hábeis qualidades receber uma promoção. Era agora inspetor geral das máquinas. Uma espécie de preceptor delas. Cuidar para que não lhes faltasse nada e não as deixasse “adoecer” de suas funções vitais. Ia à frente ver do que precisavam para não estragarem e prejudicarem todo o funcionamento da usina. Então, elaborava relatórios e passava para o pessoal da manutenção que ia socorrer os equipamentos. Era a chamada manutenção preventiva. Sua peculiaridade revelava-se nos relatórios. Tirei uma copia de um deles e guardei pensando um dia transformá-lo em alguma coisa que espelhasse o surreal. Já havia caído no rol dos engraçados comentários da “boca miúda” da peãozada. Em tempo: meu setor era de programação e planejamento. Onde os relatórios eram recebidos e eram agendadas datas, quantidade de pessoas, material necessário e equipamentos auxiliares para se realizarem as manutenções.

Transcrevo aqui o que estava no papel do Pacheco para quem interessar possa:
“Ia eu caminhando lentamente pela região onde está o moinho. Aquele cilindro colossal que fica girando, girando, ameaçador, imponente, triturando minério em seu interior, quando, ao passar defronte à casa de máquinas bombeadoras de água, aquelas enormes, gigantescas bestas feras que cospem jatos de água com intensa pressão, ouço um ruído. Ma não um ruído qualquer desses que estou habituado de ofício e meus ouvidos sabem reconhecer e diagnosticar o defeito pelo seu tom. Tratava-se de algo inusitado, senhores. Entrei naquele cômodo sombrio e nem acendi as luzes. Precisava investigar primeiramente a possibilidade de uma sabotagem industrial ou algum fenômeno do além. Depois de exatos sete minutos de dez segundos e não acontecendo nenhum outro fato que confirmasse minhas suspeitas, resolvi deixar meu posto secreto e me aproximar do local de onde vinha o estranho barulho. E para minha surpresa e creio que de todos vocês, vejam só: me deparo com um pedaço de saco plástico agarrado nos ventiladores do motor de uma das bombas, o que gerava uma espécie de som assobiado, intermitente e agudo. Esclareço assim, que os senhores não mais precisarão se deslocar até lá. Eu mesmo providenciei a retirada do corpo estranho e fiz cessar todo o mistério. Podem trabalhar em outros casos mais urgentes.“
ASS: Pacheco, matricula 6728.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

O SEGREDO DOS SAPATOS

A NOTÍCIA
Quer saber se uma mulher está a fim de você? Olhe para os pés dela

Esqueça aquela coisa do olhar lânguido e sensual em sua direção. A maneira correta de saber se você conseguiu conquistar a menina é olhar para os pés dela. Pelo menos é o que diz uma pesquisa realizada pelo professor Geoff Beattie, um dos mais renomados psicólogos ingleses, que declarou que as pessoas podem controlar as expressões faciais e movimentos da mão para disfarçar um sentimento, mas não prestam a atenção nos pés e nas mensagens que eles podem estar transmitindo.
Por exemplo, se a mulher afastar os pés um do outro quase abrindo as pernas, enquanto ri, ela realmente te quer. Se ela mantiver as pernas cruzadas ou ficar sentada em cima delas enquanto conversa, qualquer tentativa de marcar um ponto com essa garota vai ser um desastre. Agora, misteriosamente essa regra não vale para os homens, mas se um cara mantém seu pé totalmente parado, sem nenhum movimento enquanto fala (estando sentado, óbvio), então ele está mentindo e o mesmo vale para moças desonestas. Homens ansiosos mexem os pés, enquanto mulheres ansiosas os deixam imóveis.
"A linguagem secreta dos pés pode revelar muito da personalidade de alguém, o que pensamos dela e até o estado de espírito emocional naquele momento. São canais fascinantes de comunicação não verbal. Risos, em um primeiro encontro, por exemplo, podem não ser um bom sinal para isso, porque você nunca saberá se a pessoa está rindo com você ou de você" afirmou o Dr. Beattie. Sendo assim, no seu próximo encontro, não fique com os olhos parados no decote da moça (mesmo porque, como Seinfeld diz, decote é como eclipse, não pode ser olhado diretamente) e sim fixe nos pés da menina. Se ela estranhar, diga que aquele sapato a deixa sexy. Ela vai ficar tão feliz que no dia seguinte comprará mais seis novos pares. Todos pretos.
__________________________________________________
fonte: http://vidaeestilo.terra.com.br/homem/interna/ 09/12/09
__________________________________________________
A CRÔNICA

Era uma vez um cara que queria ganhar dinheiro. Matutou, matutou e depois de muito andar pesquisando mercado, viu que seus sapatos se desgastaram bastante. Resolveu que iria investir em sapatos. Descobriu também que as mulheres consumiam mais sapatos do que os homens. Mesmo que não os gastassem da mesma forma, elas sempre adoravam sapatos. Não havia crise econômica, fenômeno meteorológico ou pisos irregulares que fizessem as mulheres arredarem pé dos sapatos. Observou em sua própria casa entre sua mãe, irmãs e namorada. Tinham cada uma mais de cinco pares de sapatos. Daí para estender sua estimativa para outras mulheres, foi um passo só (sem gastar sapato desta vez). Então começou a fabricar sapatos femininos. E infantis, que era para as meninas já irem se habituando desde novinhas a gostarem também de sapatos.

Acontece, caro leitor, que esse cara era um protagonista dessas histórias de sucesso (do tipo “gente que faz”). E resolveu contratar um pesquisador renomado a fim de criar uma propaganda favorável. Algo que fizesse um apelo incontestável para aumentar suas vendas de sapatos e ganhar muito mais dinheiro. Então, o pesquisador que também de bobo não tinha nada e gostava de ganhar dinheiro com suas “descobertas” criou a teoria da sedução pelos movimentos dos pés. Assim, a dupla ficou milionária. E as mulheres continuam até hoje adorando sapatos. E os homens fingindo notarem no quanto elas ficam sedutoras com cada calçado que elas vestem. Na verdade eles estão é observando a forma delas mexerem os pés para ver se recebem algum sinal para investirem numa conquista.

E no final todos viveram felizes. Os homens dando sapatos de presente e as mulheres e meninas também gastando dinheiro com sapatos. Cada um mais lindo que o outro.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

GÊMEOS

Silvestre Silvério e Silvério Silvestre eram os tais gêmeos idênticos. Não se satisfizeram apenas em nascer na mesma hora. Corria à boca pequena uma conversa meio polêmica sobre o fato de pais criarem gêmeos iguais em tudo. Se eram idênticos fisicamente, tinham que se diferenciar pelo menos nas características mais subjetivas. Isso forçaria uma personalidade independente para ambos e menos confusão para quem estivesse à sua volta. O outro lado da polêmica se fundava no fato de que sendo vontade de um ser igual ao outro, tinham que ser respeitados. No entanto, respeitados ou não, faziam tudo para confundir. Eu, por exemplo, só aprendi a diferenciá-los por causa das casas diferentes em que moravam. Ficava abismado como podia dois homenzarrões, que tinham filhos da minha idade, alguns até mais velhos andarem de roupa igual, sapato igual, fumarem o mesmo cigarro e acenderem nas mesmas horas. Ainda bem que não se casaram com duas irmãs gêmeas! Eram engraçadas as suas vestimentas. Sempre estilizadas. As que mais usavam eram de cowboys americanos. Indefectíveis calças de brim azuis e camisas também de brim mais fino, com chapéus e botas de couro.

Acho que gostavam muito dos filmes de bang-bang que passavam nos dois únicos cinemas da cidade naquela época. As desovas sempre ficam guardadas para serem feitas nos cantões. Os filmes de baixa qualidade iam sempre para o interior em primeiro lugar. Na minha cidade, os cinemas passavam muitos filmes de cowboys exterminando índios, como se os invasores fossem esses últimos e não o contrário. Uma inversão dos papéis de mocinho e bandido feito pelos americanos para justificar a colonização do país tomando as terras dos nativos. Se bem que nós aqui nem podemos falar muita coisa! Os nossos foram dizimados sem dó nem piedade.

Então, voltemos aos gêmeos, que pelo menos nisso eram honestos. Se vestiam feito os mocinhos bandidos mas não faziam mal a ninguém. Um deles tinha um filho que me batia muito e como ambos protegiam suas crias, quando ia reclamar um sempre me dizia que o pai era o outro.
- Eu sou o tio, você tem que choramingar é com o pai dele.
Acabei um dia tomando coragem e enfrentando o menino por que do pai-tio não ia sair nada que me amenizasse a humilhação.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

FRONTEIRAS

“Eu já subi demais
Eu já desci demais
Eu já fiz coisas que um jipe não faz”
(Cantiga entoada em minha cidade na época de menino. Autor desconhecido)
Quando menino eu precisava sempre subir um morro, seja para matar a curiosidade, seja para simplesmente atingir o outro lado das montanhas da minha cidade indo para a escola. Era a minha fronteira. As montanhas de Minas sempre foram as minhas fronteiras geográficas. Lá de cima é que a gente tomava conhecimento que o horizonte era um infinito de possibilidades.

Quando conheci o mar eu não gostava de voltar para casa. Ficava olhando lá naquele lugar onde criança achava que ele faz a curva e entorna. Acho que não é só do espaço que dá para perceber a forma arredondada da terra; no mar também, pois era nítida a minha sensação de que lá naquele local onde a vista alcançava o fim do horizonte, o mar entornava. Imaginava que ali ninguém podia chegar, sob o risco de cair num buraco que representava o fim do mundo físico. Eram estas tão somente as minhas fronteiras.

Depois a gente cresce e o significado de fronteiras passa a ser mais ameaçador do que montanhas e águas derramadas no redondo fim do mundo. Até porque, limites a gente passa a conhecer pouco a pouco. Durante a fase de crescimento, são os pais dizendo que isso pode e aquilo não pode; é a escola com seus ensinamentos de sociabilidade, por si mesmos repletos de limites. Para os que possuem alguma religião, é ela, talvez a que impõe mais fronteiras, através da intimidação psicológica, o que limita mais a gente, se não conseguimos separar a fé no divino da subserviência cega a preceitos e cânones. Tem depois o patrão que, puxa vida, vai colocar limites assim, lá não sei onde... Mesmo para quem cria a possibilidade de não depender dele, enfrenta limites na concorrência como empreendedor ou autônomo.

Aprendemos a respeitar um tanto de coisas importantes outras nem tanto. Mas os limites aprendidos têm também a função de fornecer discernimento e ajudar nas escolhas futuras.

Certo é que não vejo possibilidade de vivermos a não ser cercados; numa liberdade que tem no seu próprio conceito social amarras com nós indestrutíveis e outros que são apenas laços que podemos afrouxar às vezes em busca de mais liberdade, sempre tentando minimizar o que nos é fronteiriço. E nisso entra o pensamento, a única liberdade da qual podemos gozar sem nenhuma fronteira.
Web Statistics